terça-feira, 1 de junho de 2010

PACTO PROFANO

Quando te conheci tinhas um olhar que parecia meio roubado do mar em dias de calmaria, assim meio verdes, tranquilos, mas o mar moço, nós dóis sambemos, é traiçoeiro e qualquer nuvem no horizonte
prenuncia tempestade.
Por muitas vezes pensei que tinhas "parte" e temi aproximar-me, ser cúmplice dos teus segredos, teus labirintos perigosos, tua dança sagrada de pés descalços, aquela bata florida de cabala.
Teus olhos semicerrados escondidos sob a aba negra do chapéu, um mistério que penetrou nas partes mais ocultas do desejo que habitava em mim.
Profano toque numa taça de cristal, que das tuas mãos eu recebi e dela eu bebi em outra primavera.
Foi um pacto de sangue enfeitiçando o meu imprevisível amanhã. Sem memória original senti um medo orgânico do invisível, de coisas do outro mundo, e minha frágil humanidade conheceu o desespero.
O teu riso assombrado contaminou meus sonhos arduamente construídos. Depois veio o vento que varreu a minha história, o meu passado, dores antigas, velhas feridas.
Não devias ter me assustado com esses olhos de alma do outro mundo, que tudo viam através da noite que me cobria, negra, sem lua.
Não devias ter me pintado com o verde dos teus olhos repletos de promessas e possibilidades, nas quais eu mergulhei sem salva-vidas. Tentei fugir de ti, não pude! A tua língua de comer insetos me alcançou e me colou entre as estrelas do céu da tua boca.
Então dei meu pescoço aos teus dentes de vampiro e meu sangue envenenou as tuas veias.
Parece coisa tão antiga, história de outra era.

Liane Flores - texto publicado em 2003 -  Vai fazer parte da coletânea Na Teia da Aranha

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